quinta-feira, dezembro 28, 2006

Escritos esfarrapados

escrevo-te do passado
quando ainda éramos
hipóteses de destinos

as minhas mãos agarram-se
às palavras em projecto
ao dicionário por inventar

sobre o papel de nuvens
traçam alegorias
ensaiam trajectos sinuosos
arrepenham-se impotentes

estou à beira da estrada
do futuro
ignorando o painel que se
estende à minha frente
onde a vida se encontra
finamente cinzelada

é-se cego no passado

m.f.s.


10-10-2005

A virtude que se perde


Escangalhou-se a virtude no encolher de ombros
do zoombie sonolento
que, frio, corre pelas alavancas subterrâneas.

Tentação pantanosa nas terras de nada e tudo
pingos verdes dos olhos em cascatas fluorescentes
góticas imagens tatuadas nas virilhas dos impotentes.

Saltam as galinhas em cocoricós de terror
contra os céus de nuvens em revoltosas espirais
sugando as correntes das apatias taciturnas.

Fogem as virtudes para os limbos das ante-páras
vociferam as bocarras amaralecidas pela podridão
os olhos embranquecem de cegas e diabólicas visões.


m.f.s.


16-07-2005

falta-me o silêncio
as sombras luminosas
os pensamentos voláteis

falta-me o ramo de glicínias
sobre o muro do jardim
os tons suaves dos liláses
o aroma de veludo

falta-me a tempestade
sobre o mar escurecido
os trovões e relâmpagos
as chuvas furiosas

falto-me eu em tempos
de nunca mais
eu em tempos de sempre
eu em tempos de porquê

falto-me eu
aqui
em tempos de
ser

m.f.s.


graves borboletas se deitam no espanto
ouvem nas gotas da chuva um suave canto

loucas libelinhas levitam nos pântanos
bebem a água turva dos terrosos cântaros

meninas-aves gorjeiam nas tardes trovejantes
enfeitam os cabelos de aquosos diamantes

os olhos sem rosto velados de brumas
ganham brilhos de vidro nascido de espumas

m.f.s.


02-07-2005

recados para uns olhos mortiços
encastoados em esconderijos de mármore
sobre o palor dos rostos gregos decepados

nas paisagens transparentes das memórias colectivas
os brilhos dos agapantos azulados
de múltiplas e elegantes corolas
balançam-se nas brisas quentes
de antes da tempestade

os olhos reabrem-se em verdes de primavera
iluminam a pedra circundante
atingem corações ressuscitados
clamam pelas suas visões seculares

os recados chegam despedaçados
em romances de cordel
recobrem as camadas de ar rarefeito
das estratosferas agonizantes

seguem o rasto dos meteoritos incandescentes


m.f.s.

1 comentário:

Anónimo disse...

A revisitar gavetas, m.?
Melhor madrugada a minha.