sábado, maio 26, 2007

socalcos

quero lembrar-me de tudo
de tudo o que vi pressenti
de tudo o que os meus sentidos
marcaram em mim
de tudo o que imaginei
desejei
criei inventei

nada ficará escondido

quero saber como eram as lagartas
que via debaixo das folhas
à transparência destas
as silhuetas eriçadas de pelos

como era o movimento das águas marinhas
quando se retiravam das praias

como se desmanchavam as nuvens em
que voei tantas vezes

quero sentir de novo o resvalar das
jovens pedras
quando descia os socalcos da ilha
onde vi o primeiro raio de lua

quero seguir de novo o trilho das formigas
sobre o recém-nascido pardal
que não resistiu ao tombar do ninho

quero espreitar os buracos das frutas
onde as moles cabeças de vermes
rilhavam a saborosa polpa

quero sentir as gotas refulgentes
dos chuviscos
sobre o verde aceso das ervas

trincar as uvas americanas da parreira
junto à casa encantada

trepar aos imberbes pinheiros
e deixar nódoas de resina no
belo vestido novo

correr com os rapazes e passar-lhes
à frente

gritar com os gemidos do vento nas árvores
durante a noite
cheios de fantasmas e bruxas más

fugir dos pavões bravios
agarrar lagartixas
deleitar-me com os estalidos dos
arbustos lançados às fogueiras

comer sopa de trigo da camponesa gentil
e batatas salgadas com sabor a orégãos

ter pesadelos

ter medo
ter falta de ar

querer morrer

esfolar os joelhos
atirar pedras aos miúdos

chorar com a queda dos dentes
de leite

partir a cabeça
encher o rosto de sangue
chorar e rir ao mesmo tempo

quero lembrar-me de tudo o
que não aconteceu

m.f.s.

1 comentário:

Anónimo disse...

quero lembrar-me de tudo
de tudo o que vi
pressenti
de tudo o que os meus sentidos
marcaram em mim
de tudo o que imaginei
desejei
criei
inventei
...............
...............

E u t a m b é m . . .