quero lembrar-me de tudo
de tudo o que vi pressenti
de tudo o que os meus sentidos
marcaram em mim
de tudo o que imaginei
desejei
criei inventei
nada ficará escondido
quero saber como eram as lagartas
que via debaixo das folhas
à transparência destas
as silhuetas eriçadas de pelos
como era o movimento das águas marinhas
quando se retiravam das praias
como se desmanchavam as nuvens em
que voei tantas vezes
quero sentir de novo o resvalar das
jovens pedras
quando descia os socalcos da ilha
onde vi o primeiro raio de lua
quero seguir de novo o trilho das formigas
sobre o recém-nascido pardal
que não resistiu ao tombar do ninho
quero espreitar os buracos das frutas
onde as moles cabeças de vermes
rilhavam a saborosa polpa
quero sentir as gotas refulgentes
dos chuviscos
sobre o verde aceso das ervas
trincar as uvas americanas da parreira
junto à casa encantada
trepar aos imberbes pinheiros
e deixar nódoas de resina no
belo vestido novo
correr com os rapazes e passar-lhes
à frente
gritar com os gemidos do vento nas árvores
durante a noite
cheios de fantasmas e bruxas más
fugir dos pavões bravios
agarrar lagartixas
deleitar-me com os estalidos dos
arbustos lançados às fogueiras
comer sopa de trigo da camponesa gentil
e batatas salgadas com sabor a orégãos
ter pesadelos
ter medo
ter falta de ar
querer morrer
esfolar os joelhos
atirar pedras aos miúdos
chorar com a queda dos dentes
de leite
partir a cabeça
encher o rosto de sangue
chorar e rir ao mesmo tempo
quero lembrar-me de tudo o
que não aconteceu
m.f.s.
manuel alegre / lusíada exilado
-
Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.
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Há 19 horas
1 comentário:
quero lembrar-me de tudo
de tudo o que vi
pressenti
de tudo o que os meus sentidos
marcaram em mim
de tudo o que imaginei
desejei
criei
inventei
...............
...............
E u t a m b é m . . .
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