ROTEIRO PARA UM PARAÍSO PRIVADO
Deitar-se algumas vezes nos sulcos
do sono da noite anterior,
reconhecendo como um felino doméstico
o cheiro das nossas mantas. Não
lavar os dentes e sobretudo esquecer
de baixar as persianas. Coleccionar
pontas sucessivas de cigarros, jornais
de muitos ontens e rimas
de livros lidos só três páginas. Não
endireitar a curva daquele candeeiro,
deixar as gavetas abertas
com colírios, comprimidos e roupas
à vista. Amontoar em cima da cómoda
brincos ímpares, perfumes sem tampa, pequenos espelhos
quebrados, alfnetes, cartas, rascunhos
e chávenas de chá servido há dias, deixar
calar-se o CD com os lieder de Schumann
afastando os sapatos de muitos caminhos
e a roupa de todas as horas.
(in OS SOLISTAS, Um Quarto com Cidades ao Fundo)
Inês Gonçalves
Os Outros
Antologia de Poesia Portuguesa
Anos 80 e depois
Coordenação, prefácio e notas de
Leopoldino Serrão
editora ausência
manuel alegre / lusíada exilado
-
Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.
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Há 19 horas
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