O meu realizador preferido.
manuel alegre / lusíada exilado
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Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.
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Há 21 horas
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A obra do cineasta russo Andrei Tarkovsky (1932-1986) está, toda ela, marcada pela solidão e pelo exílio. Desde logo, no sentido especificamente cultural, já que a sua convivência com as autoridades soviéticas nunca foi pacífica, tendo alguns dos seus filmes encontrado sérios problemas de difusão interna (a começar por aquele que o projectou internacionalmente, em finais da década de 60 Andrei Rubliov); mas também em termos geográficos, uma vez que, depois de Stalker (1979), Tarkovsky optou por passar os seus derradeiros anos no Ocidente.
Nostalgia (1983), uma produção italiana com a chancela da RAI, é um dos dois títulos desse período final; o cineasta apenas dirigiria mais um filme, Sacrifício (1986), este uma produção predominantemente sueca.
Se há cinema que não se deixa reduzir a sinopses mais ou menos detalhadas, o de Andrei Tarkovsky é, certamente, dos mais ricos e singulares. Assim, por um lado, podemos dizer que Nostalgia é a história de Gortchakov (Oleg Yankovsky), um poeta russo que, na companhia de uma tradutora, Eugenia (Domiziana Giordano), procura em Itália as informações perdidas sobre a existência de um compositor russo do século XVIII; por outro lado, os verdadeiros acontecimentos não são tanto os que se podem medir por sobressaltos mais ou menos factuais, mas sim os que nos remetem para as dimensões menos visíveis do comportamento humano.
Nessa medida, há no trabalho de Tarkovsky um sentimento genuinamente contemplativo para ele, observar o real é descortinar as camadas dos seus sucessivos enigmas e, no limite, formular a possibilidade de alguma relação com Deus.
Daí que a odisseia de Gortchakov esteja, também ela, marcada pela errância típica de alguém que, face a cenários estranhos e estrangeiros, depara com as memórias difusas (e nostálgicas) do seu próprio país de origem a Itália de Nostalgia é sempre um assombramento da Rússia longínqua.
Eminentemente físico e sensual, esse é também um processo narrativo de crescente envolvimento com tudo o que está para além dos dados imediatos da consciência e, em última instância, remete para o sagrado. Daí que, na sua teia misteriosa e sedutora, Nostalgia seja, talvez, o filme de Tarkovski mais próximo desse objecto eminentemente autobiográfico que é O Espelho (1975).
Com uma transcrição de excelente qualidade técnica, o DVD de Nostalgia, além das habituais informações biográficas e filmográficas, oferece apenas um extra, mas possui um valor especialmente didáctico. Chama-se Tempo de Viagem e trata-se de um documentário, co-assinado por Tarkovsky e pelo seu argumentista Tonino Guerra, precisamente sobre a sua estadia em Itália para a rodagem de Nostalgia.
Num tom de bloco-notas mais ou menos intimista, os dois homens falam da sua experiência conjunta, da poética transcendental de Nostalgia, da relação com as paisagens italianas e também de algumas referências que marcaram o imaginário de Tarkovsky (por exemplo, a importância de Michelangelo Antonioni na sua formação como espectador e autor). É, além do mais, um caso exemplar de uma produção televisiva (também da cadeia estatal RAI) ao serviço da divulgação do cinema e das suas especificidades.
(Diário de Notícias)
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