sexta-feira, fevereiro 01, 2008

João Camilo

ERVAS

Na ausência do jardineiro crescem
nas traseiras da casa as ervas,
daninhas e de todas as espécies.
A música de piano ressuscita
o tempo antigo (à janela ele
olhava a rua e pensava:
estou perdido, definitivamente
perdido de mim mesmo e da vida).
Do barco negro da noite começaram
a sair os monstros de rosto
indecifrável. Tinham a forma
suave da nostalgia, mas nos seus
corpos enrugados brilhavam as
marcas do incêndio, pesadelo
nunca apagado. Tinha acreditado
no destino previsível, no futuro
preparado de antemão. Vivera,
na felicidade e no tédio, sem
o perturbar a frustração.
Sucederam-se as estaçõe,
no entanto. E o amor, ausente,
deixou de iluminar as suas feições.
Conferia-lhe um poder sombrio a
esperança. Atenuado e sufocado,
o desespero transportava de objecto
em objecto, na procura do ser, o seu
olhar desfocado. O que é a presença
e o que é a ausência? Decida quem
souber, quem quiser correr o risco.
Ele identificava os fantasmas. Mas
distinguia o presente do passado, o
que via do que recordava, os vivos
dos mortos? Acrescentou: a minha lucidez
foi diferida. Como podia entender
então o que só agora se revelava à
sua mal exercitada necessidade de
compreender? Ausente, aquela
que tomara conta do seu coração
comandava os sentimentos.
Transformava-se o amador em
refém do objecto de obsessão.
E quem poderia separar um rosto
de outro rosto? Fiquei sem futuro,
murmurou ele. Olhava pela janela.
Na ausência daquela que domina
o mestre com o seu amor, as
ervas crescem, ervas de todas
as espécies, nos recantos do
jardim e nos canteiros
de terra do vaso do espírito.

João Camilo
O som atinge o cimo das montanhas
OVNI

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