Bom, falam-me em Neruda e lembro-me de alguns dos seus poemas
Sou o tigre.
Observo-te entre as folhas
Largas como lingotes
de mineral molhado.
O rio branco cresce
debaixo da neblina. Chegas.
Mergulhas desnuda.
Espero.
Então num salto
de fogo, sangue, dentes,
de um golpe, atiro-me
sobre o teu peito, as tuas ancas.
Bebo o teu sangue, quebro
os teus membros um a um.
E fico na floresta
velando durante anos
os teus ossos, as tuas cinzas,
imóvel, longe
do ódio e da cólera,
desarmado na tua morte,
atravessado pelas lianas
imóvel, longe
do ódio e da cólera
desarmado na tua morte,
atravessado pelas lianas,
imóvel à chuva,
sentinela implacável
do meu amor assassino.
Pablo Neruda
QUERO CASTIGO
Eles trouxeram aqui as espingardas carregadas
de pólvora, eles mandaram o extermínio macabro,
eles encontraram aqui um povo que cantava,
um povo por dever e por amor reunido.
E a rapariga franzina tombou com a sua bandeira
e o jovem sorridente caiu a seu lado ferido,
e o povo viu cair os mortos
com fúria e dor.
Então, no local
onde caíram os assassinados,
tombaram as bandeiras empapadas de sangue
para erguerem-se de novo frente aos assassinos.
Por esses mortos, nossos mortos,
peço castigo.
Para os que de sangue salpicaram a pátria,
peço castigo.
Para o verdugo que mandou esta morte,
peço castigo.
Para o traidor que beneficiou deste crime,
peço castigo.
Para o que ordenou esta agonia,
peço castigo.
Para os que defenderam este crime,
peço castigo.
Não quero que me dêem a mão
empapada com o nosso sangue.
Peço castigo.
Não os quero embaixadores,
nem nas suas casas tranquilos,
quero-os ver aqui julgados
nesta praça, neste local.
Quero castigo.
PABLO NERUDA
Chile, 1904 . 1973
Notícias da Raiva
Edições Dinossauro
2003
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Pablo Neruda
Vinte Poemas de Amor - XX
tradução de Fernando Assis Pacheco
sophia de mello breyner andresen / às vezes
-
Às vezes julgo ver nos meus olhos
A promessa de outros seres
Que eu podia ter sido,
Se a vida tivesse sido outra.
Mas dessa fabulosa descoberta
Só me...
Há 9 horas
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