11. PINTURA
1. O CHEIRO DO ORVALHO
As palavras chamam-me para dentro do poema
e arrastam-te comigo. Tanto vento
que se levantou de repente a esta hora.
Dormias?
Redemoinho entre as letras como um catavento
e sei confusamente que não estamos aqui
como sei que nunca viste uma árvore
ou um telhado cheio de pássaros
para podermos trocar a nossa ignorância
como um pacto de amor
que nos acorda quando nasce o dia.
Soletramos então a palavra «árvore»
que nasce no vidro da janela
mas já estamos longe
no cimo do papel
como duas silhuetas
absorvidas a colher o cheiro da terra.
E contudo as palavras mexem-se,
ouço as vozes atravessarem a lareira
o ressoar das letras espaçadas
as cores quentes à volta do fogo.
Não, não dormias a essa hora.
Eras tu que me arrastavas para dentro do poema
quando o vento dançava nos meus passos.
E eu pensava nas cores das faias
e como as folhas se juntam lá em cima
ou então pensava no grito do telhado
cheio de pássaros no papel
para te dar tudo
o que nunca vimos e ouvimos
na simplicidade
do orvalho da manhã.
Rosa Alice Branco
soletrar o dia
obra poética
edições quasi
carlos de oliveira / porta
-
A porta que se fecha
inesperadamente na distância
e assusta o romancista
que descreve o seu quarto de criança
(é difícil dizer
se os velhos arquitectos...
Há 18 horas
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