COLÓQUIO DOS AMANTES À PORTA DO TEMPLO
Começa, não esperes por mim, atravessa a porta para além do fim,
recolhe o odor da flor no canto do jardim, começa como quem regressa
de dentro de mim quando a vida acelera, não esperes enquanto esperas,
recomeça do zero teu discurso austero em que aos poucos desespero.
Começa, reza por mim esta sílaba errática numa língua sem gramática,
soletra cada palavra como quem grava uma oitava nas águas com que se lava,
decifra todas as letras que o vento expira nas gretas da solidão, respira sem mim
enquanto me trazes dentro do pulmão, começa a caminhar na pura imaterialidade
como quem atravessa o fim no princípio mais distante de qualquer cidade.
Começa, não esperes enquanto esperas, começa e recomeça depois de recomeçares,
safah, toma esta palavra em forma de porta iluminada, língua ardendo nos lábios,
davar, toma esta palavra em forma de torre insuflada, língua mordendo os lábios,
graça infinita de ser ave, garça branca que comove a sarça ardente quando chove.
Começa, não esperes por ti, começa e atravessa a porta para além de mim,
respira-me no perfume do jardim mas leva-me no teu lume para além do fim,
não esperes senão o que te espera, e no entanto espera do sal da terra
o verão incorruptível da primavera e a paixão do tempo imóvel que acelera,
habita para além de ti o infinito e reza no canto infeliz a sílaba do teu grito.
Começa, espera por mim, começa de súbito o meu recomeço antes de ser hábito,
começa e reinventa esta palavra como se fosse lava da sarça ardendo em cada lábio,
começa e soletra cada letra, letra a letra, e no fim desperta como quem se oferta,
para que tudo em nós recomece e cante e reze a nossa primeira prece.
Começa, espera ou não por mim em ti, mas começa em ti dentro de mim.
LUÍS ADRIANO CARLOS