sexta-feira, janeiro 29, 2010
terça-feira, janeiro 26, 2010
passwords
onde quer que queiramos entrar lá vem a obrigação do registo com a respectiva password, sujeita a determinadas regras
hão-de inventar um computador que leia a retina e que isso sirva para abrir todas as portas dos céus, infernos, limbos e as demais suspensões em que possamos vegetar
além das passwords ainda temos nalguns casos que seguir outros trajectos para os quais precisamos de cartões cheios de algarismos
uma amiga dizia ontem: "este é um país de cartões"
aqui no bairro parece que para entrar de viatura, só de cartão, desde 18 deste mês.
isto nem é um condomínio fechado, é um ghetto
coloquem lá as câmaras mas deixem entrar as viaturas à vontade
domingo, janeiro 24, 2010
quinta-feira, janeiro 21, 2010
reviravolta
parece que ainda (ou já) posso fazer da minha vida o que quiser
amanhã continuo a pôr os triângulos nos quadros
hoje já tive muitas emoções e provas de amizade
vou estirar-me no sofá e olhar no vago
sempre
e "quem tem filhos tem cadilhos"
porque raio venho para aqui escrever estas coisas
porque não escrevo em diários de papel
já não
porque não conheço quem lê
porque me apetece
porque quero lá saber do que os outros pensam disso
e pronto
hoje disse umas coisas antipáticas
que bom
quarta-feira, janeiro 20, 2010
hoje
o que quero mesmo é ir para uma ilha sem conhecer ninguém, viver sozinha e esperar uma morte fulminante
quem mais amamos é quem mais nos fere
preciso de me acalmar e reflectir bem sobre o que fazer no pouco tempo que me resta e também da lucidez que ainda tenho
comentários chatos nem pensar, hein!
bem basta a chata da vida
terça-feira, janeiro 19, 2010
trabalheira
estou quase inerte
a exposição está marcada para fevereiro na ilha
colocar os triângulos na parte de trás dos quadros e fotos vai ajudar.me a ter belas manchas roxas nas pontas dos dedos
os pregos são minúsculos, ficam presos entre dois dedos e martela-se na cabeça dos mesmos, mas pode apanhar-se na ponta dos outros, os dedos
vou jantar
ah, chama-se "Horizonte profundo" a expo
domingo, janeiro 17, 2010
António Ramos Rosa
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde
António Ramos Rosa
de Estou Vivo E Escrevo Sol(1966)
sábado, janeiro 16, 2010
sexta-feira, janeiro 15, 2010
limbos
ainda nada está totalmente decidido
mas estou a trabalhar para isso
já gastei uma porção de money para imprimir e montar os trabalhos de fotografia, photoshop e picasa
ai que raiva
e ainda não imprimi todas as gravuras e só tenho umas poucas emolduradas
mas se tudo correr bem e sobrar algum dinheiro devo partir lá para maio
veremos
a data já foi alterada várias vezes
apetece-me desandar e aceitar a oferta que me foi feita de tratarem das exposições
que bom seria
não teria que ir às inaugurações
nunca tive jeito para estas coisas
minha filha enviou-me fotografias de umas ilhas tailandesas onde foram passar o natal
que paraíso
quem me dera que fosse lá a casa dela
toda aquela vegetação
e como paisagem marítima mais ilhas que parecem flutuar carregadas de verdes
a casa para onde se mudaram parece simpática
há lá um quarto para mim
vou vestir-me de calças e blusas largueironas
e tranças
eheheh
um velho sonho que acorda da infância em que não me deixavam usá-las
todos os dias reflicto sobre o valor do meu trabalho
todos os dias me digo que o que interessa é ter, finalmente, a possibilidade de fazer o que sempre quis
todos os dias concluo que cada um vê o que quer
"o sentido da mensagem está no receptor"...
todos os dias me digo que o importante é poder ver as coisas à sua maneira e não desistir disso
uma coisa sei de verdade
vejo de outra maneira
encontro prazer estético nas coisas mais insignificantes
e isso é bom
Thomas Bernard
A terra cheirava a tomilho e a morte,
a feno e a vento,
do regato elevou-se a alma da minha mãe
e foi por cima das árvores como nos tempos
da Primavera desanuviada e amarga.
A terra cheirava a tomilho e a morte
e ninguém veio com um cesto,
para a levar para casa.
Porque o porco é muito valioso,
não levaram terra para casa,
não levaram a terra que cheirava a morte e a tomilho.
Olhei por entre os carvalhos
para a aldeia lá em baixo.
Ouvi as trompetes da quermesse
e os trombones da carne defumada,
e ouvi estalar as salsichas
e as tábuas do recinto do baile
na risada do padre.
Sobre uma pedra
dormi eu passados mil anos.
Ninguém veio buscar um bocado de terra
que cheirava a morte e a tomilho.
Thomas Bernard
NA TERRA E NO INFERNO
Assírio & Alvim
segunda-feira, janeiro 11, 2010
domingo, janeiro 10, 2010
Antonio Gamoneda
«Não vale nada a vida, / a vida não vale nada».
Recordai esta canção antes de olhar meus olhos;
olhai meus olhos no instante da neve.
Antonio Gamoneda
Livro do Frio
tradução e nota biográfica
José Bento
Assírio & Alvim
quarta-feira, janeiro 06, 2010
sábado, janeiro 02, 2010
sexta-feira, janeiro 01, 2010
Gil Vicente
O velho da Horta
Gil Vicente
Esta seguinte farsa é o seu argumento que um homem honrado e muito rico, já velho, tinha uma horta: e andando uma manhã por ela espairecendo, sendo o seu hortelão fora, veio uma moça de muito bom parecer buscar hortaliça, e o velho em tanta maneira se enamorou dela que, por via de uma alcoviteira, gastou toda a sua fazenda. A alcoviteira foi açoitada, e a moça casou honradamente. Entra logo o velho rezando pela horta. Foi representada ao mui sereníssimo rei D. Manuel, o primeiro desse nome. Era do Senhor de M.D.XII.
VELHO: Pater noster criador, Qui es in coelis, poderoso, Santificetur, Senhor,nomen tuum vencedor, nos céu e terra piedoso. Adveniat a tua graça, regnum tuum sem mais guerra; voluntas tua se faça sicut in coelo et in terra. Panem nostrum, que comemos, cotidianum teu é; escusá-lo não podemos; inda que o não mereceremos tu da nobis. Senhor, debita nossos errores, sicut et nos, por teu amor, dimittius qualquer error, aos nosso devedores. Et ne nos, Deus, te pedimos, inducas, por nenhum modo, in tentationem caímos porque fracos nos sentimos formados de triste lodo. Sed libera nossa fraqueza, nos a malo nesta vida; Amen, por tua grandeza, e nos livre tua alteza da tristeza sem medida.
Entra a MOÇA na horta e diz o VELHO
Senhora, benza-vos Deus,
MOÇA: Deus vos mantenha, senhor.
VELHO: Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus.
MOÇA: Mas no chão.
VELHO: Pois damas se acharão que não são vosso sapato!
MOÇA: Ai! Como isso é tão vão, e como as lisonjas são de barato!
VELHO: Que buscais vós cá, donzela, senhora, meu coração?
MOÇA: Vinha ao vosso hortelão, por cheiros para a panela.
VELHO: E a isso vinde vós, meu paraíso. Minha senhora, e não a aí?
MOÇA: Vistes vós! Segundo isso, nenhum velho não tem siso natural.
VELHO: Ó meus olhinhos garridos, mina rosa, meu arminho!
MOÇA: Onde é vosso ratinho? Não tem os cheiros colhidos?
VELHO: Tão depressa vinde vós, minha condensa, meu amor, meu coração!
MOÇA: Jesus! Jesus! Que coisa é essa? E que prática tão avessa da razão!
VELHO: Falai, falai doutra maneira! Mandai-me dar a hortaliça. Grão fogo de amor me atiça, ó minha alma verdadeira!
MOÇA: E essa tosse? Amores de sobreposse serão os da vossa idade; o tempo vos tirou a posse.
VELHO: Mas amo que se moço fosse com a metade.
MOÇA: E qual será a desastrada que atende vosso amor?
VELHO: Oh minha alma e minha dor, quem vos tivesse furtada!
MOÇA: Que prazer! Quem vos isso ouvir dizer cuidará que estais vivo, ou que estai para viver!
VELHO: Vivo não no quero ser, mas cativo!
MOÇA: Vossa alma não é lembrada que vos despede esta vida?
VELHO: Vós sois minha despedida, minha morte antecipada.
MOÇA Que galante! Que rosa! Que diamante! Que preciosa perla fina!
VELHO: Oh fortuna triunfante! Quem meteu um velho amante com menina! O maior risco da vida e mais perigoso é amar, que morrer é acabar e amor não tem saída, e pois penado, ainda que amado, vive qualquer amador; que fará o desamado, e sendo desesperado de favor?
MOÇA: Ora, dá-lhe lá favores! Velhice, como te enganas!
VELHO: Essas palavras ufanas acendem mais os amores.
MOÇA: Bom homem, estais às escuras! Não vos vedes como estais?
VELHO: Vós me cegais com tristuras, mas vejo as desaventuras que me dais.
MOÇA: Não vedes que sois já morto e andais contra a natura?
VELHO: Oh flor da mor formosura! Quem vos trouxe a este meu horto? Ai de mim! Porque, logo que vos vi, cegou minha alma, e a vida está tão fora de si que, partindo-vos daqui, é partida.
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http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/gil-vicente/o-velho-da-horta.php
Leon Tolstoi
Sonata a Kreutzer
Leon Tolstoi
I
Estávamos no princípio da Primavera. Havia dois longos dias, e uma não menos longa noite que viajávamos de comboio.
Em todas as estações, passageiros entravam ou saíam do nosso compartimento. Por fim ficaram só três viajantes: uma senhora de meia-idade, feições envelhecidas e feia, de cigarro na boca, gorro na cabeça, e um casacão de corte masculino; um amigo alegre que aparentava quarenta anos, com bagagens novas e elegantes; e, afastado de todos, um homem baixo, de movimentos nervosos; não era velho e os cabelos embranquecidos antes de tempo, ainda se conservavam ondulados. Tinha uns olhos brilhantes e de extrema mobilidade. Vestia um casaco coçado, com gola de cordeiro e com a marca de um bom alfaiate; na cabeça, gorro alto da mesma pele. Sob o casaco, quando o desabotoava, via-se colete comprido e blusa russa bordada.
Tinha ainda outra particularidade. De vez em quando, soltava sons estranhos que se assemelhavam a um soluço ou a um riso abafado.
Durante toda a viagem não dirigiu a palavra a qualquer dos passageiros. Lia, fumava, ou olhava pela janela; bebia chá, comia pão com manteiga que tirava de um saco velho de couro.
Se lhe dirigiam a palavra, as respostas eram breves e secas e o seu olhar ia perder-se na paisagem fugidia. Notei, contudo, que a solidão lhe pesava. Tentei, por várias vezes, falar-lhe.
Parecia adivinhar o meu pensamento, e quando os nossos olhares se encontravam — o que era frequente, pois ocupávamos lugares fronteiros — desviava o olhar e enfronhava-se na leitura. Ao cair da noite o comboio parou numa estação importante. O senhor de cabelos brancos desceu para ir buscar água a ferver e fazer chá novo.
O homem das malas novas e elegantes — um advogado — desceu com a sua companheira para ir ao bufete tomar uma chávena de chá.
Novos passageiros subiram, um velho alto com a barba feita de fresco e a fronte sulcada de rugas, um negociante sem dúvida — envolto numa pelica de lontra, a cabeça coberta por um boné de grande pala. Sentou-se no lugar em frente da companheira do advogado e entabulou imediatamente conversa com um rapaz novo, tipo de caixeiro-viajante, que entrara na mesma carruagem e na mesma estação.
Eu estava perto deles e com o comboio parado pude ouvir alguns
trechos da conversa... Falaram da viagem, do comércio, de uma pessoa que ambos conheciam e, por último, de Nijni-Novgorod.
O caixeiro quis contar o casamento de um negociante conhecido de ambos, mas o velho interrompeu-o para descrever as pândegas em que outrora tomara parte em Kounavino. Evocava essas recordações com certo desvanecimento, persuadido de que essas histórias em nada prejudicavam nem o seu brio nem a sua dignidade. Orgulhoso dessas façanhas contava, como um dia, em Kounavino, estando embriagado, se entregara a tal orgia, que só ao ouvido podia ser contada. O caixeiro, ao ouvir a confidência, riu desabaladamente e, o velho, ria também, mostrando dois dentes amarelados.
A conversa não tinha interesse para mim. Desci para desentorpecer as pernas enquanto não dava o sinal da partida.
Na gare encontrei o advogado e a sua companheira, conversando animadamente.
— Não se demore — disse ele —, o comboio vai partir. Efectivamente, mal eu atingira a cauda do comboio, deram o segundo sinal.
Quando subi para a carruagem, o advogado e a sua cliente prosseguiam a conversa animadíssimos. O velho negociante sentado em frente deles não dizia uma palavra, olhando-os com ar severo e desdenhoso. Quando eu passava, o advogado dizia, sorrindo:
— Ela então declarou ao marido que não podia, nem queria, continuar a viver com ele, tendo-se dado o caso...
Não ouvi o resto. Passava o revisor e entravam mais passageiros. Restabelecido o silêncio, ouvi novamente a voz do advogado, e pareceu-me que a conversa se desviara, de um caso particular, para considerações gerais.
O advogado observava que, a questão do divórcio interessava hoje toda a Europa e que na Rússia, os casos eram cada vez mais frequentes. Sorriu ao notar que era o único a falar e, voltando-se para o comerciante, perguntou-lhe:
— Era questão que não existia nos bons tempos de outrora, não é verdade?
O comboio pôs-se em movimento. Sem responder, o velho descobriu-se, persignou-se, murmurou uma oração em voz baixa, enterrou o boné até às orelhas e disse:
— Existia... mas menos. Hoje não pode ser de outro modo. As pessoas instruem-se de mais.
O advogado replicou. Mas o barulho do comboio, que aumentava de velocidade, impediu-me de perceber. Aproximei-me cheio de curiosidade para ouvir a resposta do velho. A conversa parecia interessar também o meu vizinho — o senhor de olhos brilhantes — que prestava toda a atenção, embora não abandonasse o seu lugar.
— Que culpa tem a instrução? — perguntou a senhora, esboçando um sorriso. — Era melhor o casamento quando os noivos mal se conheciam? — continuou ela, respondendo: — hábito frequente entre as mulheres — não aos argumentos apresentados mas àqueles que podiam ter sido.
— Amavam-se? Poder-se-iam amar? Não o sabiam. A mulher desposava o primeiro que aparecia e habilitava-se, assim, a uma vida de tormento. Isto era preferível? — concluiu, dirigindo-se, mais ao advogado e a mim, do que ao velho com quem principiara a discussão.
— Nos nossos dias há demasiada instrução — repetiu o velho, respondendo à pergunta e olhando desdenhosamente.
— Gostava de ouvi-lo explicar a ligação entre a instrução e as desavenças conjugais — disse o advogado, disfarçando um sorriso.
O comerciante ia responder, mas a senhora interrompeu-o:
— Esse tempo acabou.
— Permita que este senhor exponha as suas ideias — disse o advogado.
— Todas as tolices vêm da instrução — disse o velho em tom categórico.
— Como podem entender-se pessoas que se não amam? — apressou-se a perguntar a senhora, olhando para o advogado, depois para mim e para o caixeiro que, de pé, encostado ao banco, seguia, sorridente, a discussão.
— Só os animais se podem acasalar, segundo a vontade do dono; os homens têm as suas inclinações, as suas simpatias — disse ela com a intenção de ferir o negociante.
— É um erro, minha senhora — disse o velho. — O animal é um animal; ao homem foi dada uma lei.
— Mas como pode o homem viver sem amor? — replicou a senhora, convencida que emitia ideias originais.
— Modernismos — teimou o velho. — Outrora não se pensava em tal.
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